Consumidores do AM sem nenhuma ligação com a Águas de Manaus são cobrados indevidamente
Amazonenses sem nenhuma ligação com a Águas de Manaus, que não têm nenhum cano ligado com a rua, são cobrados indevidamente com uma taxa. Os consumidores possuem poço artesiano, caixa d’água e fossa. Especialistas afirmam que a concessionária não pode cobrar pelo serviço que não presta ao consumidor. Entenda mais!
O manauara Ricardo Chamma, 34 anos, é exemplo deste caso. Na casa onde reside, por mais de 30 anos, há poço artesiano. E nos últimos anos houve a cobrança no nome dele, mesmo a casa sendo em nome do seu pai. A residência tem fossa e caixa d’água.
“A gente nunca teve essa cobrança de água, nem na época da Cosama. Nunca tivemos ligação e muito menos contrato com a concessionária. E de um tempo para cá, houve a cobrança em meu nome. E quando houve as primeiras cobranças, eu solicitei o contrato e eles não conseguiram provar que tinha contrato e pararam. Mas cinco anos depois, cobraram de novo e ameaçavam colocar meu nome no cadastro de inadimplentes”, explicou.
Ricardo deu entrada com processo na justiça, que já percorre no TJAM por mais de dois anos. “Eu me sinto lesado e tenho medo que de alguma forma eles consigam reverter essa cobrança. Eu dei entrada no processo na justiça e fico intrigado como eles conseguiram meus dados como CPF, número e etc”.
Outro consumidor que se sentiu prejudicado foi Itaúna Jacob, morador do bairro Aleixo, zona centro-sul de Manaus. Ele também é cobrado com uma taxa da Águas de Manaus, que começou no valor de R$ 32 e agora está no valor de R$ 44, mesmo sem ter nenhuma ligação com a concessionária, ele também tem poço, caixa d’água e fossa particular.
“Eu tenho este poço desde a década 80 e nunca foi cobrado. E desde a entrada da empresa Águas de Manaus na cidade, que eles começaram a cobrar. E acho isso uma total ditadura com o consumidor”, declarou o aposentado.
Itaúna conta que agentes da concessionária já quebraram sua calçada para tentar instalar um medidor sem a sua autorização. Ele entrou com ação na justiça de pequenas causas e a juíza arquivou o processo, pois não tinha ‘instrumentos de averiguação’. “A juíza afirmou que eu não tinha meios para ir profundamente no caso e arquivou. Acabei desistindo. Mas estou orando e pedindo a Deus que me dê meios para resolver”.
“Consumidor não é obrigado a se ligar à rede de água”
O advogado especializado em Direito do Consumidor, Flavio Espírito Santo, explica que o consumidor tem direitos, mas também tem deveres. Mesmo com um poço artesiano instalado, ele é obrigado a se ligar à rede de coleta e tratamento do esgoto, quando esta houver na área da sua residência. Saneamento básico é direito de todos, mas também é dever de todos os consumidores, não só das empresas. O especialista explicou mais sobre isso em post no instagram, @flavioterceiro.
“Havendo ou não rede de coleta de esgoto, o consumidor não é obrigado a se ligar à rede de água. O STJ repetidamente tem julgado inconstitucional qualquer lei que tente impor ao consumidor uma ligação compulsória às empresas de água”, declarou.
O especialista explicou que a Águas de Manaus não pode cobrar pelo serviço que não presta ao consumidor. Se não há ligação à rede de água e esgoto, é impossível que se cobre qualquer coisa do cliente, mesmo que uma “taxa mínima”.
O Marco do Saneamento Legal exige que a empresa forneça esgoto a 99% da população até 2030, e hoje nem 30% da cidade tem esgoto. Os demais não podem ser cobrados por nenhuma taxa de esgoto, nem mesmo uma taxa mínima.
O que o consumidor deve fazer caso se sinta lesado?
“Primeiro passo é sempre buscar resolver a questão administrativamente, verificando qual é a origem da cobrança e se há cobertura de esgoto naquela área. Se não houver, solicitar o cancelamento das cobranças. É imprescindível guardar todos os protocolos e anotar todas as informações passadas pela empresa, para ter provas em caso de eventual ação judicial”, orienta Espírito Santo.
Quando o problema não é resolvido amigavelmente entre consumidor e empresa, a solução é buscar um advogado de confiança, preferencialmente um especialista na área consumerista, e ingressar com uma ação.
Fiscalização
O diretor-presidente da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman), Elson Ferreira, orientou que o ideal é que o consumidor vá até a concessionária, caso não resolva o problema, ele pode ir até à ouvidoria da Ageman.
“Nós vamos interceder junto com a concessionária, verificar tudo dentro das legalidades que o que eles estão fazendo é certo ou não. Se tiver alguma irregularidade, nós vamos solicitar que seja extinta a cobrança”, explicou.
No site da Ageman, há uma lista sobre os bairros contemplados com a cobertura da rede de esgoto, mas sem precisar detalhes sobre desde quando o bairro passou a ser contemplado. Para saber sobre o início da implantação, é necessário ir até o Posto de Atendimento ao Cidadão (PAC) do shopping Jornalista Phelippe Daou, no bairro Jorge Teixeira, zona Leste.
Resposta
Em nota, a Águas de Manaus informou que, de acordo com o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal nº 11.445/2007, alterada pela Lei nº 14.026/2020), os imóveis que possuem a disponibilidade de rede de água tratada, ainda que não estejam diretamente ligados, estão sujeitos a cobrança de tarifas pelo serviço. A medida é adotada em todo o país. “Em Manaus, a prática está prevista ainda no contrato da concessão, no Manual de Prestação de Serviços e Atendimento ao Consumidor (MPSAC) e no Código Sanitário de Manaus”.
A concessionária ressalta que a legislação Estadual e Municipal prevê que para se obter fontes alternativas de água (poços), em Manaus, faz-se necessário licenciamento ambiental, comprovação da potabilidade da água através de controle físico-químico, além da ausência de rede de abastecimento na região. “Caso não seja cumprido pelo menos um dos requisitos exigidos, o poço é considerado irregular”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decisão do Recurso Especial n. 994.120/RS estabeleceu jurisprudência que reafirma a proibição de fontes alternativas de água quando existe rede pública. Segundo o STJ, “a perfuração indiscriminada e desordenada de poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã”.