Refugiados: conflitos e deslocamentos afetam saúde mental
Em todo o mundo, 117,3 milhões de pessoas vivem em deslocamento forçado devido a perseguições, conflitos, violências ou violações de direitos. O dado é do último relatório global da ACNUR a agência da ONU para Refugiados, referente a 2023. O documento também destaca que, no mesmo ano, o Brasil concedeu autorização de residência humanitária a 95.800 indivíduos em situação de refúgio. Na busca por uma vida segura, novo começo, a saída forçada e as lembranças das experiências traumáticas em contextos de conflito trazem consequências e afetam de diversas formas a saúde mental de pessoas refugiadas.
Sadiq Khawari (31) e Mohammad Reza Ghulami (33) são afegãos e foram acolhidos pelo Planeta de TODOS, uma ONG mantida pelo Cartão de TODOS dedicada ao acolhimento e integração sociolaboral de refugiados no Brasil, com sede em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Para eles, sair de seu país de origem e estar longe de seus familiares foi um momento desafiador. “Foi difícil deixar o Afeganistão. Após a retomada do poder pelo Talibã, nós ficamos sem emprego, não tínhamos dinheiro e eu estava sozinho lá. Minha conta bancária foi bloqueada e eu não conseguia resgatar meu dinheiro”, conta Sadiq.
Para Mohammad, abandonar uma vida que levou tanto tempo para construir também teve grande impacto em seu emocional. “Você estudou, terminou a faculdade, conseguiu experiência em uma área, tem sua casa, seu carro e as coisas que conquistou e, de repente, tem que deixar tudo pra trás ou vender por um valor muito baixo. Foi difícil deixar meu país”, comenta.
As marcas dos conflitos
Graciele Calacena é psicóloga voluntária no Planeta de TODOS e avalia que as consequências dos conflitos podem afetar diretamente a saúde mental. “Os Afegãos têm essa marca em seu território há muito tempo, existe a convivência com a memória desses conflitos. Assim, o que para gente é algo muito fora da realidade, muito distante, para eles é real”, afirma Calacena. “A violência, os perigos e, após isso, estarem longe do lugar que sempre chamaram de casa, da família, das pessoas que amam, as incertezas e os medos diante desses deslocamentos, tudo isso gera sofrimento”.
A profissional conta que os impactos psíquicos que podem acometer os refugiados não diferem tanto dos enfrentados por pessoas não refugiadas. “Ansiedade, medos, inseguranças, tristeza, preocupação com a família, às vezes até um sentimento de desesperança, o que é absolutamente normal para esse primeiro momento”, revela. Em casos mais graves, a psicóloga alerta sobre a possibilidade do desenvolvimento de transtornos como depressão, pânico e estresse pós-traumático.
No entanto, Calacena destaca que os desafios relacionados à adaptação ao novo ambiente, especialmente a incerteza e a separação familiar, tornam a situação ainda mais complexa. “Acredito que o maior desafio seja esse tempo de latência, onde ainda não falam a língua, não possuem autonomia, não estão trabalhando e, consequentemente, não podem dar suporte à família”, ressalta.
A importância do acompanhamento psicológico e da escuta
Criar um espaço seguro e de acolhimento é importante para todo acompanhamento psicológico, principalmente quando se trata de pessoas refugiadas que estão em busca de segurança. “Eu me senti acolhido, [quando iniciei a terapia]. É bom poder falar com alguém em quem você confie. Nas ocasiões em que me senti deprimido e desanimado, procurei apoio psicológico, tanto no Afeganistão, como no Brasil”, conta Mohammad.
De acordo com a psicóloga, no processo de acolhimento psicológico é preciso exercitar a escuta e permitir que os refugiados tenham seu tempo para falar, abordar suas questões. “Quando falamos de suporte psicológico, sempre falamos de escuta, de ofertar um lugar onde qualquer sentimento, questionamento ou pensamento, caiba. E que essa escuta esteja atenta às particularidades da situação, do momento, da cultura”, afirma.
A língua como ponte para a integração
Chegando a um novo país, a barreira linguística é o segundo maior desafio enfrentado pelos refugiados para conseguirem se integrar à sociedade local, ficando atrás somente dos casos de xenofobia por parte de funcionários públicos, de acordo com o levantamento “Diagnósticos Participativos”, feito pela ACNUR. “Fico preocupado com a comunicação com os brasileiros, mas estou otimista de que dará certo, já consegui um emprego e, aos poucos, estou conseguindo me comunicar melhor por aqui”, comemora Sadiq.
André Naddeo é diretor-executivo da ONG Planeta de TODOS e avalia que a comunicação é fundamental para a integração em qualquer nova sociedade. “Sem um conhecimento básico da língua portuguesa, os refugiados que chegam ao Brasil podem ter dificuldades para criar conexões sociais, entender e participar de atividades culturais, além de estabelecer relacionamentos com os membros da comunidade local”, afirma.
Como a comunidade local pode ajudar
No processo de integração e estruturação de uma nova vida no país de refúgio, Calacena compartilha que as pessoas tendem a responder muito melhor quando se sentem seguras e acolhidas. Segundo a psicóloga, a comunidade local pode ser uma aliada respeitando e dando espaço. “E dar espaço nos dois sentidos: abrir espaço pra quem está chegando, trazer para perto, mostrar que existe lugar para essas pessoas. Mas também no sentido de respeitar os limites, as dores e os momentos”, ressalta.
De acordo com a profissional, a diversidade cultural tende a fazer do brasileiro um povo afetuoso, fator que aproxima pessoas refugiadas a desenvolverem senso de pertencimento à nova comunidade. “Estar em um território sem hostilidade, onde podem se movimentar livremente, traz bem-estar, segurança, esperança e novas perspectivas de vida”, endossa a psicóloga.
Com o esforço de instituições dedicadas ao acolhimento, políticas públicas eficazes e espaço na comunidade, o Brasil tem potencial para concretizar a aposta do representante da ACNUR, Davide Torzilli, de que o país pode se tornar um campeão global no acolhimento de refugiados. “Agora estou começando um novo trabalho e, recentemente, fui reconhecido como refugiado no Brasil. Então espero poder trazer minha família para cá e começar uma vida nova com eles aqui”, compartilha Sadiq.